terça-feira, 23 de outubro de 2012

Situação delicada dos negros do rosário


Sabemos basicamente que três grupos de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil. Um desses grupos é representado pelos sudaneses, da Nigéria. Gegi do Daomé. Fati-ashanti da Costa do ouro. O segundo grupo é o grupo dos guineo-sudaneses, habitantes abaixo da linha do Saara. O Terceiro grupo são os Bantos, vindos de Angola, do Congo e de Moçambique.
Sabemos ainda que quando várias culturas se misturam acabam gerando uma nova, que representa a soma do melhor de cada uma delas. Foi o que se deu por aqui, a mistura desses grupos com índios e brancos resultou na africanização da cultura brasileira.
Os povos africanos tinham uma forma própria de organização e uma maneira de se relacionar com o meio ambiente que era muito diferente da propiciada pela visão de mundo européia. Enquanto os europeus viam o homem como dominador de todas as coisas, à imagem e semelhança de seu deus, todo poderoso, os africanos viam o homem como um todo, integrado pelos deuses, pela terra e pela natureza. Toda a cultura africana é representada nesse universo, em que os valores morais, sociais e ecológicos são traduzidos por meio da religiosidade, dos ritos e das artes em geral.
Tais valores estão intimamente representados na dança, que é para os povos africanos o mais potente elemento de aglutinação social. Originalmente, a dança estava intrinsecamente, ligada à cultura do ancestral africano que, com certeza, poderíamos considerá-la como mais um órgão que tivesse seu corpo. Para eles, a maneira de se relacionar com o ambiente era percebida pelos sentidos naturais e traduzida pela dança. O que   para realidade dos negros do rosário de Caicó  e do Seridó seja algo que se perdeu.
A colonização e a escravidão praticadas pelos europeus impuseram valores éticos e morais que consideravam o corpo impuro e pecaminoso. Como conseqüência, aquele “órgão” suplementar que captava a vida e a traduzia em movimentos foi mutilado.
Restava aos negros adaptar-se à nova ordem. Representações e ritos de passagem e do dia-a-dia, em que o corpo aparecia livre e exuberante, foram reprimidos, como a capoeira angola, de origem banta, cuja base foi o n’golo, um ritual de casamento praticado na África que reproduzia as danças de acasalamento de alguns animais.
A cultura de um povo, porém, pode ser mutilada, mas não morre, Adapta-se e sobrevive. Herdamos o código. A liberdade corporal, a sexualidade sem vergonha ou medo, a sensualidade misturada a musicalidade, manifestações de nossa dança... Dançar para os negros era uma forma de captar a vida e traduzi-la em movimentos.
O Maracatu, festa com um misto de tons religiosos e profanos, originou-se na África com a coroação do rei do Congo. A partir de sua incorporação à cultura pernambucana, verifica-se a existência de duas vertentes: o baque solto e o baque virado. Alfaia, abê, gonguê, tarol e o ganzá são instrumentos básicos que dão ritmo ao maracatu.
No sudeste e no centro-oeste o maracatu se transformou em congada, e ganhou um caráter de resistência à escravidão, estando relacionada com a cultura dos quilombos.
Criada no Brasil durante o período da escravidão, a coroação dos reis do Congo foi à principal manifestação cultural africana do período colonial. Reconhecida pela Igreja e pelo senhor do engenho, a festa consistia numa procissão que acabava numa Igreja, as preferidas eram de irmandades de negros, onde acontecia a coroação do rei e da rainha de Congo. Durante a caminhada, escravos rurais, urbanos, mestiços e negros alforriados realizavam cantos, jogos de capoeira e danças africanas. As congadas atuais são originárias dessas congadas. Realizadas em todo Brasil de diversas formas e mescladas de outras festas, elas basicamente compões-se de autos teatrais, repentes, desafios e maracatus. A Maior parte delas já não realiza a cerimônia principal e os reis já participam da festa já coroados.
Hoje ao ouvi radio local e acessar blogs me deparei com a noticia de que Os Negros do Rosário de Caicó não participantes da festa de sua padroeira, o motivo, alguns dos seus membros terem problemas com alcoolismo.  Minha preocupação é o ambiente favorável ao preconceito racial, dificultando enormemente a integração do negro. Vivemos numa sociedade onde predomina o ideal de uma sociedade civilizada, onde o respeito às diferenças sejam respeitados, o que já garantido por lei.
Estamos diante de uma situação delicada, que espero sinceramente, contribua para a existência de um sentimento de respeito a historia dos negros do rosário, sentimento este que se manifestava de várias formas: pela repressão às suas atividades culturais, pela restrição de acesso a sua festa e de respeito a sua historia.
Acredito que o problema é de saúde e cultural, pois desde que tenho a percepção da existência dos negros do rosário, que testemunho o consumo de álcool pelos seus membros estimulados pela própria sociedade. Afastá-los da festa da sua padroeira é excluir-los da única oportunidade de convivência social e de percepção da sua dependência ao alcoolismo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O projeto nacional “SESC Dramaturgia - Leituras em Cena”


Brecht
Arthur Azevedo


A discussão a respeito das idéias e da influência de Brecht sobre o teatro brasileiro tem marcado presença nos meios artísticos e intelectuais brasileiros por muitas décadas.
A obra do poeta e dramaturgo já era mais ou menos conhecida no Brasil desde sua morte, em 1956.
A influência das idéias e da estética do dramaturgo é patente em autores, diretores e demais artistas de teatro, em instituições e entidades culturais e políticas como Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e nos CPCs da UNE (Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes). Textos e montagens como Revolução na América do Sul, Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes, de Augusto Boal, criador do Sistema Curinga, inspirado no distanciamento brechtiano, e todo o desenvolvimento posterior de sua teoria teatral são realizações que devem muito ao Pequeno Organon (1948) e ao Teatro de Brecht.
Também nesse quadro insere-se o Teatro Oficina de José Celso Martinez Corrêa, na montagem do Rei da vela, de Oswald de Andrade, e nas elogiadas Galilei Galileu e Na selva das cidades, do próprio Brecht, e mesmo no polêmico Roda viva, de Chico Buarque, dirigido por ele. Ainda Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri (que, apesar de usar black tie na forma dramática, não deixou de fazer um macacão épico, contrariando Iná Camargo da Costa), Francisco de Assis, Aderbal Freire Filho, O Grupo Opinião e seus shows (no Rio de Janeiro), Fauzi Arap, Dias Gomes e (por que não?) Millôr Fernandes, no momento em que concebeu o espetáculo Liberdade, liberdade junto com Flávio Rangel.
O momento político-estético mais sensível da recepção de Brecht no Brasil, as experiências e os artistas mencionados, que aconteceram/atuaram principalmente dos anos 1950 até o final dos anos 1960, podem ter deixado de lado o apuro na aplicação dos postulados teóricos e técnicos criados por Brecht, mas convém não esquecer que, no enfrentamento político-cultural daquelas décadas, em especial nos primeiros momentos da ditadura militar (1964-1968), importava mais o que se fazia do que como se fazia.
Do ponto de vista do movimento editorial, a recepção e a crítica à obra de Brecht foi e continua sendo boa no Brasil. A partir de críticos, pesquisadores e ensaístas como Anatol Rosenfeld, Sábato Magaldi, Ingrid Koudela, Gerd Bornheim, Jaco Guinsburg, Antonio Pasta Jr., Fernando Peixoto (tradutor também do Teatro completo de Brecht - 12 vols.) e mais recentemente Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano, além de tradutores como Manuel Bandeira (O círculo de giz caucasiano), Christine Röhrig (O declínio do egoísta Johann Fatzer), Paulo Cesar Souza e Geir Campos (Poemas e canções) e Maria Silvia Betti (O método Brecht, de Frederic Jameson), temos acesso a muitas obras do autor e sobre sua vida, assim como ao estudo e à crítica de seus postulados estéticos e teatrais.

[...] Para ser breve, trata-se aqui de uma técnica que permite dar aos processos a serem representados o poder de colocar homens em conflito com outros homens, proporcionar o andamento de fatos insólitos, de fatos que necessitam de uma explicação, que não são evidentes, que não são simplesmente naturais. O objectivo deste efeito é fornecer ao espectador a possibilidade de exercer uma crítica fecunda, colocando-se do lado de fora da cena para que adquira um ponto de vista social. [...]

Para Brecht é importante que o ator saiba que, no palco, ele é apenas um artista que está interpretando um personagem, ou seja, um intérprete que mostra o personagem, mas não o vive, que tenta interpretá-lo da melhor maneira possível, mas que não tenta persuadir-se (tampouco os outros) de que é o próprio personagem. Dessa forma, o ator em cena não é Otelo, nem Hamlet, nem Lear e sim um artista que os representa da melhor maneira possível, que dá ao público a chance e o direito de tomar partido, de criticar, de conceber um idealismo sobre os personagens de maneira própria.

Arthur chegou ao Rio de Janeiro em 1873, com 18 anos. Dividia sua atividade profissional entre o teatro, o jornalismo e um cargo público no Ministério da Agricultura, onde conheceu Machado, seu grande amigo e crítico implacável. Em suas primeiras incursões pelo teatro, Arthur procurou escrever teatro “sério” e corresponder assim aos anseios da elite intelectual de então. Mas frustrou todas as suas expectativas, pois tais peças não agradavam ao público. Passou então a levar à cena suas primeiras comédias. Com elas, Arthur Azevedo conquistou o reconhecimento popular e conheceu o sucesso. Para os companheiros de ofício, entretanto, nosso autor sentia a necessidade de justificar sua opção estética como se ela fosse uma espécie de pecado: “Todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebi censuras, ao passo que enveredando pela “bambochata” não me faltaram nunca elogios, festas, aplausos e... proventos. Perdoem-me por citar essa última fórmula de glória, mas... que diabo... ela é essencial para um pai de família que vive de sua pena!...”

A leitura das peças de Arthur Azevedo mostra que elas superam os episódios circunstanciais que lhes deram origem. São atualíssimas e até hoje fazem a delícia do grande público. A crítica especializada o considera uma das mais importantes personalidades do teatro brasileiro, tanto por sua obra como por sua vida.

O projeto nacional “SESC Dramaturgia - Leituras em Cena” abre inscrições para a 2ª etapa no Rio Grande do Norte. A oficineira Samira Sinara trabalhará o encontro estético entre Bertold Brecht e Arthur Azevedo. A proposta é dialogar sobre o encontro entre os autores clássicos da Europa e do Brasil. Uma oportunidade única pra quem estuda teatro para construção de conhecimento atravéis de dois grandes autores.
Para se inscrever, os interessados devem preencher a ficha disponível no site (http://bit.ly/R8rTiI), e enviá-la para o email edvaniofs@hotmail.com ou para efsantos@rn.com.br. O período de inscrições vai até o dia 25/10 para Caicó.